Cuidado com blogs de viagens estrangeiros! Eu não confio. Refiro-me em particular às opiniões de viagem de europeus, americanos e canadenses, habitantes de um planeta diferente do nosso Brasil varonil, onde tudo acontece redondo.
Moradores de cidades limpas, seguras e organizadas onde tudo (ou quase tudo) funciona com perfeição aos nossos olhos verdes-amarelos carentes de infraestrutura pública geral.
O que isso tem a ver com viagem? Tudo. Jornalistas e blogueiros estrangeiros louvam férias em países “exóticos”, onde o caos, a pobreza e a desorganização imperam. Países do hemisfério sul em sua maioria encaixam-se nessa categoria, inclusive nós.
Aí no site de um renomado jornal internacional você lê um artigo sobre como a experiência a bordo do trem pelo interior do Sri Lanka é fantástica ou a visita àquela cidadezinha no alto da montanha no interior do Vietnã é imperdível. Você acredita, você sonha, você planeja e você vai… vai e se ferra.
Já abro um disclaimer aqui afirmando que o Sri Lanka é um país lindo para se conhecer. Eu fui, amei, recomendo e volto novamente assim que possível, porque não deu tempo de conhecer as praias do sul e cidades como Gaulle e Mirissa. Mas não me chamem para fazer o passeio do trem de novo.
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Digo isso com propriedade. Foi assim no Sri Lanka, um trecho turístico de trem entre as cidades de Kandy, centro religioso cingalês, e Nuwara Eliya, onde são plantados os abençoados chás do Ceilão.
O que o gringo chama de experiência fantástica, eu chamo de perrengue. De repente pra você também é experiência. Ótimo! Tem lugar para todo mundo neste lindo planeta!
Eu juro pra vocês que sou uma viajante bem humorada que transita muito bem entre o simples e o luxo, mas eu tenho o meu limite. A passagem comprada era da melhor classe a bordo.

O comboio parte de uma estação ferroviária simples, zero problema. Uma hora e meia de atraso, eu sentada num banco sem encosto naquele calor úmido de floresta tropical que temos em Manaus e Belém.
Aproveito para colocar as mensagens do Instagram em dia. Então o embarque acontece, assento 6B. Não, não é janela e eu sou janeleira. Isso nem é o pior. Vai vendo.

A fileira 6 tem uma fresta de quatro dedos de largura no máximo, lembra uma grande fenda de cofrinho de moedas. O irritômetro desperta. Como assim vou fazer uma viagem de trem para apreciar a paisagem sem vista da janela? Pra constar, foi a agência que comprou a passagem pra mim.

Muito contrariada me acomodo à poltrona. À minha frente, um ventilador engordurado de poeira pregado no teto. Pensei: é o fim. Não era. O trem começa a se movimentar… de trás pra frente… É isso mesmo, meu assento é de costas, eu sofro de motion sickness, enjoo fácil. Joguei a toalha. Morri.

Eis que no fim do fim do poço surge uma luz abençoada. Mal a máquina sai da estação, os passageiros se levantam e caminham até o vão aberto entre os vagões, onde ficam em pé observando a paisagem, se divertindo com o vento abafado batendo no rosto.
Pulo apressadamente para um assento à janela no mesmo sentido que o trem andava. Melhor assim! Olho para fora e me pergunto: o que esse monte de mata verde selvagem tem de especial? Elas abundam na minha terra onde canta o sabiá.

Pelo menos não passarei mal. A fome bate, chega a refeição de bordo. Tchan-an! Marmita de chicken curry, o prato tradicional do Sri Lanka que venho comendo desde o primeiro dia em que pisei na ilha. Já perdi a vontade pela apresentação, eu como com os olhos! Apimentado, muito apimentado. As bananas trazidas pelo meu querido guia Upali e as castanhas de caju compradas na estrada no dia anterior foram a salvação.

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Divagando, me consolava: são apenas três horas… que se tornaram quatro e meia. Calor, cenário desinteressante, sacolejando mais que gado na carroça do caminhão.
Quando o trem finalmente parou em Nuwara Eliya seis horas após minha chegada à estação ferroviária em Kandy, eu estava devastada, esvaída de qualquer sinal de energia.
Todo faceiro me aguardando na saída da estação, meu guia acena para mim e pergunta: e aí, como foi? Minha cara de brava indisfarçável já dizia, mas ele não soube ler.
Respirei fundo e respondi no tom mais cordial que o momento me permitia: “Por favor, Upali, peço que não me pergunte nada agora. Estou exausta.” Coitado, ele não tem responsabilidade sobre o que aconteceu e não quis derramar minha indignação sobre ele.
Meu desejo era pegar o avião e voltar pra casa no mesmo dia, mas ainda bem que fiquei. O cansaço passou, o trauma virou experiência para não repetir e vivi um dos momentos mais lindos do meu sabático no dia seguinte.
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Meses depois, quando chegou a vez de planejar a viagem ao Vietnã, abortei as montanhas “imperdíveis” do interior sem medo de ser feliz porque para chegar ao destino levaria horas e precisaria enfrentar estradas estreitas e sinuosas com motoristas sem noção de direção preventiva. E apaguei todas as referências que eu tinha de viajantes estrangeiros.
Eles viajam PRA passar perrengue. Depois voltam para o conforto de seus lares e segurança de seus países cheios de histórias pra contar. Eu não e você provavelmente também não.
Perrengue brasileiro já passa todo dia enfrentando trânsito louco, cinco sentidos em alerta para não ser roubado ou levar um tiro e trabalhando muito para transformar quatro reais em um eurozinho apenas.
Durante as férias, quero conforto, beleza, tranquilidade, cultura, flanar sem medo nas ruas. Quero ir para o lugar de onde eles desejam fugir. Nossas referências são diferentes, pelo menos as minhas são!
Por isso, se foi gringo que disse, eu não confio.
Blogs de viagens estrangeiros
É lógico que existem sites e blogs de viagens estrangeiros com excelentes dicas para o meu gosto, bem como pessoas com interesses similares ao meu e a premissa é válida para o Brasil também.
Meu objetivo aqui é levantar o questionamento sobre onde você se inspira para planejar seu próximo destino.
Ao procurar informações e dicas de viagem em blogs e sites na internet, avalie se você se identifica com o perfil de quem escreve o blog antes de confiar no conteúdo.
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Bem isso quilometros d floresta, de savana, de areia, tenho aqui do lado de casa , sāo coisas q nāo procuro em viagem ; e conforto , é mesmo indispensável e fundamental
rs exato, Sylvia, buscamos vivenciar o que é diferente para nós.
Conforto por favor!
bjs
Concordo com você em gênero, número e grau. Tem um tipo de europeu que adora ver aldeão e criança sorrindo no meio da miseria, dormir em cada sobre palafitas, atravessar pontes precárias, etc. Assim que cheguei a Holanda percebi logo isso. Nem adianta eu mostrar outro ponto de vista, eles pensam logo que sou arrogante e “alienada” (pasmem, como se qualquer brasileiro não fosse confrontado diariamente com as injustiças e mazelas da vida). Ano passado um casal de amigos holandeses planejou uma viagem para o Quênia para fazer 15 dias de mountain bike pelo interior do país. Deu no jornal holandês que justamente estava sendo uma área de conflitos étnicos, muito estupro de jornalistas e funcionários de organizações de caridade… Eles foram assim mesmo. Até lamento ter aconselhado a talvez mudar de planos. Tudo correu bem e eu devo ter ficado com a imagem de “agourenta”. Agora, quando ouço que alguém quer se meter em algum buraco durante as férias apenas digo como meu marido : “Que legal! Vai se divertir!” Rs
Meodeos, Ana, que risco! Tantos destinos no mundo para conhecer!
Ainda bem que existe lugar para todos neste mundo rs
A Holanda em especial tem uma cultura muito diferente, qualquer menção a conforto parece luxo e arrogância.
Conversei com um amigo holandês sobre isso, ensinando-o o significado da palavra “perrengue”.
Ele disse que essa cultura tem raízes no protestantismo.
Mas existem perfis de pessoas que adoram passar um perrengue para depois ter estória pra contar rs.
Como você diz: “Que legal! Vai se divertir”
bjs